sábado, 14 de outubro de 2017

150 anos da abolição da pena de morte em Portugal


No dia 10 de Outubro,  a Amnistia Internacional promoveu a iniciativa “Pena de Morte: Justiça ou Crueldade” dirigida a jovens do ensino secundário, no Auditório do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa. 

Silvestre Lacerda, diretor-geral
da Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas


A ESMT participou nesta atividade, integrada no programa de comemorações dos 150 anos da abolição da pena de morte em Portugal, que pretendeu simular uma Assembleia Geral das Nações Unidas para discutir uma moção com o objetivo de abolir a pena de morte em todo o mundo. 
Os jovens da nossa escola prepararam a sua intervenção, refletindo sobre os argumentos que a Arábia Saudita, país que deviam representar, utilizaria para defender a sua posição retencionista*.


Aluno da ESMT discursa representando
o papel do rei  Salman bin Abdul Aziz Al-Saud na ONU


Foi ainda projetado um pequeno vídeo sobre a Carta de Lei de abolição da pena de morte em Portugal (1867), onde é decretada, pelo rei D. Luís I, a reforma do sistema judicial português. 




No início da tarde,os nossos alunos tiveram a oportunidade de realizar uma pequena visita guiada às instalações da Torre do Tombo e a uma exposição sobre a pena de morte e a sua abolição em Portugal e no mundo.




Descobriram a distinção de Marca do Património Europeu atribuída à Carta de Lei de Abolição da Pena de Morte em Portugal, documento guardado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo.  



Leram a carta de Victor Hugo, notório abolicionista, dirigida ao jornalista Brito Aranha, que o mantinha informado sobre as movimentações contra a pena de morte:

“A Brito Aranha. – Fez-me pulsar o coração a sua carta.
Já sabia a grande nova, e foi-me grato receber-lhe o eco simpático por seu intermédio.
Não! Não há povos pequenos.
O que há é homens pequenos!
E, algumas vezes, são estes os que governam os grandes povos.
Os povos que têm déspotas parecem leões açaimados.
Amo e glorifico o seu belo e querido Portugal. É livre e, portanto, é grande.
Portugal acaba de abolir a pena de morte.
Atingir este progresso é dar o grande passo da civilização.
Desde hoje, Portugal está à frente da Europa.
Vós, os portugueses, não haveis cessado dê ser navegadores intrépidos. Ides sempre para a frente, outrora no Oceano, hoje na Verdade.
Proclamar princípios é ainda mais belo do que descobrir mundos.
Exclamo: Glória a Portugal; e a si: Felicidade.
Aperto a sua mão cordial. – Vítor Hugo”.


Assistiram, por fim, ao vídeo onde Robert Badinter, o ex-ministro francês da Justiça que conseguiu a abolição da pena de morte no seu país a 30 de setembro de 1981, era François Mitterrand presidente, elogia o contributo civilizacional de Portugal como país abolicionista.





No ano em que o Plano Anual de Atividades do nosso Agrupamento de Escolas tem por tema "Conhecer e seguir Miguel Torga", não podíamos deixar de referir a sua intervenção no Colóquio internacional comemorativo do centenário da abolição da pena de morte, realizado em Coimbra, em 1967.  Por essa ocasião, Miguel Torga leu uma conferência, que posteriormente  integrou no volume X do Diário, e da qual aqui apresentamos os seguintes excertos:

“Convidado a participar neste colóquio comemorativo da abolição da pena de morte em Portugal, é na dupla condição de poeta e de médico que estou aqui. O poeta representará, como puder, o ardor indignado e fraterno de quantos, de Villon a Victor Hugo, de Gil Vicente a Guerra Junqueiro, protestaram contra o iníquo pesadelo, e contribuíram para a sua extinção ou repulsa na consciência universal; o médico simbolizará, com igual modéstia, a interminável falange daqueles que foram sempre, e são ainda, em todas as sociedades, os inimigos jurados e activos de qualquer forma de aniquilamento humano”.
...
"A tragédia do homem, cadáver adiado, como lhe chamou Fernando Pessoa, não necessita dum remate extemporâneo no palco. É tensa bastante para dispensar um fim artificial, gizado por magarefes, megalómanos, potentados, racismos e ortodoxias. Por isso, humanos que somos, exijamos de forma inequívoca que seja dado a todos os povos um código de humanidade. Um código que garanta a cada cidadão o direito de morrer a sua própria morte".


A mensagem do patrono do nosso Agrupamento permanece, infelizmente, bem atual. Com efeito, não só um terço dos países do mundo continua retencionista, mas, como se pôde verificar pelo debate acalorado na Torre do Tombo, esta é uma questão muita mais polémica do que se poderia crer, num país que há 150 anos proclamou a proibição de matar até mesmo quem matou, como recordou Miguel Torga na sua conferência sobre a pena de morte.













Recordamos, aqui, a informação facultada pela Amnistia Internacional, sobre o posicionamento dos estados no que respeita à pena de morte.

Abolicionistas para todos os crimes: países cujas leis não preveem a pena de morte para nenhum crime (Portugal foi o primeiro país a abolir a pena de morte para crimes comuns, em 1867

Abolicionistas para crimes comuns: países cujas leis preveem a pena de morte para crimes excecionais, como crimes ao abrigo da lei militar e durante a guerra (como é o caso do Brasil e Chile, por exemplo);

Abolicionistas na prática: países que retêm a pena de morte para crimes comuns mas que não executaram ninguém nos últimos 10 anos e que se acredita que tenham uma política ou prática estabelecida de não levarem a cabo execuções (dos quais são exemplo a Rússia e a Argélia);

Retencionistas: países que retêm a pena de morte para crimes comuns como assassinatos, em tempos de paz ou que não cumprem os critérios para a categoria “abolicionistas na prática” (caso da China, Arábia Saudita e EUA).









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